Bolas de Azeite

de Eurídice Adília (Lila), escrito por Ana Areias (neta de Lila)
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Para mim a véspera de Natal sempre foi sinónimo de muita azáfama na cozinha. Quando era criança, ficava maravilhada com o espectáculo de entretenimento e toda a logística que envolvia preparar uma ceia de Natal. Sempre fomos muitos a jantar, então, na cozinha da minha avó Lila, numa só noite, era possível tirarmos um mestrado em multitasking e organização espacial: na correria das travessas, e nos imensos tachos e bacias que ocupavam toda a bancada da cozinha, na economia de talheres e utensílios de cozinha, na sequência de receitas que permite o melhor aproveitamento de energia e de panelas. Tudo isto entre o almoço e o jantar de dia 24 de Dezembro, enquanto vamos recebendo pessoas que nos tocam à campaínha para desejar as boas festas.
Nesta tarde há vidros embaciados dentro de casa, cheiro a canela e mel, e o chão molhado da rua que nos brinda com frio de cada vez que se abre a porta para receber um abraço e retribuir com uma bola de azeite (penso que serão muito próximas, se não o mesmo, que as “filhós de joelho”). Estas, para mim, sempre foram o ex-libris da véspera de Natal. Sempre me impressionaram mais que os chocolates. Lá estavam elas – subestimadas pelo seu ar tosco e desajeitado, arrefecidas com canela e açúcar  –empilhadas num equilíbrio precoce num prato natalício. Era com estas bolas de azeite que me ia entretendo até ao tão antecipado jantar.
Descobri recentemente que estas bolas eram uma tradição da minha bisavó Virgínia: a minha avó conta-me que se lembra de ver a mãe na cozinha, ao pé da lareira aberta, onde repousava a panela preta dos três pés (a mesma que cozia o bacalhau), sentada numa cadeira de madeira com uma touca branca na cabeça e um pano branco no joelho a tender as bolas de azeite.

A minha avó Lila tem 88 anos, nasceu e passou a infância em Monção (Alto Minho). A sua mãe Virgínia nasceu em Murça do Douro, e o seu pai nasceu nas Mós (Trás-os-Montes e Alto Douro). Trabalhou no café Brasileira e, mais tarde, trabalhou 30 anos na Papélia onde fundou a secção de embrulhos da loja. Eu acho que passou ao lado de uma carreira de atriz e dançarina. Ainda hoje, não há nada que mais goste de fazer que dançar e conversar.

Ingredientes

(cerca de 20 bolas, do tamanho de um prato de sobremesa)
2kg de farinha
0.5L de azeite
2 colheres sopa de manteiga
8 ovos
Fermento Fresco (Tamanho de uma noz)
1 pitada de sal diluída em agora morna
Açúcar e canela q.b., para polvilhar

Como fazer

Polvilhar o fundo de uma travessa (ou prato grande) com uma mistura de canela e açúcar. Reservar.

Desfazer o fermento num bocadinho de água morna.
Colocar a farinha numa taça, fazer uma covinha, deitar o fermento dissolvido na água, a pitada de sal e os ovos. Misturar tudo com as mãos e amassar muito bem.

Deixar repousar a massa, tapada com um pano,  pelo menos 2 horas à temperatura ambiente. Depois de repousar, a massa deve ter a consistência de uma massa de esticar.

Sentar num banco, colocar um pano no joelho e esticar um bocado de massa à volta do joelho. As bordas devem ficar mais grossas que a parte do meio e não tem mal se a massa ficar um pouco rompida. Ficam aproximadamente do tamanho de um prato de sobremesa.
Pôr um tacho ao lume com uma quantidade generosa de azeite e esperar que fique bem quente. (Para uma versão mais económica, ainda que menos saudável, o azeite pode ser substituído por óleo.)
Quando o azeite estiver bem quente, frita-se uma de cada vez. Quando começar a ficar dourada, viramos e deixamos que frite do outro lado. Retiram-se e escorre-se o excesso de azeite com uma escumadeira quando estiveram douradas de ambos os lados.
Sacudir novamente o excesso de azeite, pôr na travessa e polvilhar com mais canela e açúcar.
Conforme se vão tirando do tacho, empilham-se em torre, na travessa.
Segundo a minha avó, quanto mais tempo passar, melhor ficam. Para além de uma óptima sobremesa são também um óptimo pequeno almoço, no dia seguinte.

Outras receitas de Natal da Avó Lila
Perú recheado com farofa e carne

1 perú inteiro preparado e lavado
0.5 kg de carne vaca
1 salpicão
1 cebola
2 a 3 limões
Sal q.b.
300g de farinha de mandioca
4 colheres de sopa bem cheias de margarina líquida
Sobras de bebidas alcoólicas
Rodelas de fruta para decorar (Opcional)
Nota: todas as quantidades terão de ser revistas de acordo com o tamanho do peru.

Dois dias antes da véspera
Colocar o peru inteiro (preparado e lavado) em água, limão e sal.
1 dia antes da véspera
Numa bacia, colocar o peru juntamente com uma mistura de bebidas designada pela gíria lá de casa de “Gericaca”. A Gericaca é preparada pelo avô, com recurso às sobras da sua garrafeira (champagne, cerveja, wiskey, bagaço (pouco), vinho branco , vinho do porto, etc) e é uma alternativa ao que antigamente se fazia para embebedar o peru vivo.
Na véspera
Forrar uma assadeira grande com papel de alumínio e colocar por cima o peru.
Com recurso à 1,2,3 (processador) triturar a carne de vaca e o salpicão, temperar com pimenta e sal e deixar refogar uns minutos numa cebola alourada.
Numa sertã fazer, farinha de pau com manteiga (aderindo às modernices, a minha avó usa manteiga líquida): primeiro derrete-se a manteiga e depois, quando a manteiga estiver a praticamente líquida, misturar farinha de mandioca até ficar dourada. Mexer sempre para não queimar. Reservar.
Depois do recheio de carne e a farofa estarem prontos, iniciamos o processo de rechear o peru. A carne picada é colocada no rabo do peru e a farofa enche o peito do mesmo.
Depois, começa-se a cirurgia: com uma agulha com linha dobrada, cose-se a pele do peru, usando-a como tampa das partes que acabamos de rechear. Fazemos uns furos com um garfo e regamos o peru com um pouco da gericaca.
No dia 25
Pré- aquecer o forno a 160ºC. Depois de o peru estar cosido, besuntamos o mesmo com banha de porco e manteiga,. Vai ao forno com uma folha de alumínio em cima e deixamos que asse por cerca de 4 horas a 160ºC. Devemos verificar de vez em quando e se virmos que está a secar, podemos ir regando o mesmo com a mistura alcoólica. Quando estiver pronto, decoramos o peru com enfeites de papel e frutas. Dobramos tiras de papel de seda e fazemos uns cortes (em tirinhas) para fazermos uns sapatinhos para o peru. Podemos acrescentar um laço de papel no pescoço ou rodelas de laranja/limão, azeitonas ou ameixas secas e decorar à volta do mesmo. Para acompanhar o peru, faz-se um arroz de forno em alguidar de barro.

Nota: todo o processo da véspera pode ser feito no próprio dia, a minha avó prefere fazer de véspera para não ter de se levantar tão cedo e poder gerir melhor outros pratos de forno. Também podem optar por seguir todos os passos na véspera e pré-assar o peru por uma ou duas horas, para que no dia 25 seja um processo mais rápido.

Arroz de forno

2 medidas d arroz agulha para 4 medidas água
1 salpicão
1 bocado de bacon
1 a 2 cebolas
Açafrão

Cozer nas 4 medidas de água um bocado de salpicão e um bocado de bacon. Retirar o salpicão e o bacon da água, quando estiverem cozinhados. Entretanto, fazer um estrugido com bastante cebola e uns cubos de salpicão.
Aproveita-se um bocado desta água quente (de cozer os enchidos) e dissolve-se o açafrão. Quando a cebola estiver dourada, frita-se o arroz durante 1 a 2 minutos, mexendo sempre.
De seguida, acrescentar o açafrão diluído à restante água, e verter no tacho do arroz. Retificar o sal s enecessário. Deixar cozer o arroz sem que perca a água na totalidade pois ainda vai ao forno. Ainda com o arroz húmido transferir para um alguidar. Decorar com as carnes às tiras /rodelas e vai ao forno até ficar estaladiço e dourado.
A minha avó recomenda bastante acrescentar-se uns bons pedaços de queijo mozzarella ralado.


English version

Olive Oil Fritters

by Eurídice Adílias (Lila), written by her granddaughter Ana Areias
For me, Christmas Eve has always meant a lot of the hustle and bustle in the kitchen.
When I was a child, I was amazed by the "entertainment show" and all the logistics involved in preparing a Christmas dinner. We were always too many to feed in my grandmother Lila's kitchen, so it was possible to take a master's degree in multitasking and spatial organization in just one evening. The rush of the huge pots and bowls and platters covering the entire kitchen counter; managing the cutlery and kitchen utensils that were suddenly too few; juggling recipes and pans trying to make the most of the stove burners.  All of this between noon and dinnertime, while welcoming people who rang the doorbell to wish us happy holidays.

That afternoon, windows frosted with the condensation, the house smelled of honey and cinnamon. The cold wind greeted us as we open the door to be offered a hug and, in return, give back an "olive oil fritter". These fritters have always been the hallmarks of my Christmas Eve, way more than chocolates. Underestimated by their rough and clumsy look, sprinkled with cinnamon and sugar, stacked on a Christmas plate. These olive oil fritters (which, I think, are very close, if not the same, as the "knee doughnut"– dough pressed and shaped onto the baker's knee, and then deep-fried) kept me entertained until the long-awaited dinner.

I recently discovered that these fritters were a tradition of my great-grandmother Virgínia. My grandmother Lila tells me she remembers seeing her mother in the kitchen, by the open fireplace where a black three-legged cast iron pan (the same one that cooked cod) rested. Sitting on a wooden chair, with a white cap on her head and a white cloth on her knee, she stretched the dough for the"olive oil fritters".

My grandmother Lila is 88 years old, born and raised in Monção (Northern Portugal, Minho). Her mother Virgínia was born in Murça do Douro, and her father in Mós (Trás-os-Montes). She worked in the famous café Brasileira, and then worked for 30 years in a stationary store called Papélia, where she founded the girft wrapping section. I think she missed a successful career as an actress and dancer. Still today, there’s nothing else she prefers to do than dancing and chatting. 

Ingredients

(makes about 20 the size of a dessert plate)
2kg regular Flour
0.5l olive oil
2 tablespoons butter
8 Eggs
Fresh Yeast, the size of a walnut
1 pinch of salt dissolved in warm water
Sugar and cinnamon to dust 

Method

Sprinkle the bottom of a serving dish (or large plate) with a mixture of cinnamon and sugar. Put aside.
Dissolve the yeast in a couple of tablespoons of warm water.
Add flour to a bowl, make a well in the center, pour the dissolved yeast, and add a pinch of salt followed by the eggs. Mix everything with your hands, and knead very well.
Let the dough rest, covered with a cloth, for at least 2 hours at room temperature. The leavened dough must be stretchy and elastic.

Sitting on a bench, place a clean kitchen cloth on your knee and with a little bit of dough in your hand, stretch it around your knee. The edges should be thicker than the middle part, and it’s okay if the dough rips apart slightly. They should be, approximately, the size of a dessert plate.
Put a pan on the stove with a generous amount of olive oil and wait until it is very hot. (For a cheaper, albeit less healthy version, olive oil can be replaced with oil).
Once the oil is smoking, fry one piece of dough at a time. When it starts to turn golden,  flip it and let it fry on the other side. Remove with a slotted spoon when golden on both sides. Shake off the excess oil and put it in the dish and sprinkle with more cinnamon and sugar. Repeat the process, stacking them as you go. Aim for a tower of 20 fritters.

According to my grandmother, they get better as the days goes by. In addition to a great dessert, they are also a great breakfast the next day.

Other Christmas recipes by grandma Lila

Roast Turkey with Farofa and Meat stuffing


1 whole turkey, neck and giblets removed, and cleaned
0.5 kg of beef
1 salpicão (Portuguese smoked meat sausage)
1 onion
2 to 3 lemons
Salt
300g of Cassava Flour
4 tablespoons full of liquid margarine or butter
A mix of leftover alcoholic beverages
Sliced fruit slices to decorate (Optional)
Note: all quantities must be revised depending on the size of the turkey.

Two days before Christmas Eve
Marinate the whole turkey (prepared and washed) in a big bowl with water, lemon and salt.
One day before Christmas Eve
In a clean bowl, place the marinated turkey, and pour over a mixture of alcoholic beverages we call “Gericaca” (it is just our family slang). Gericaca is prepared by my grandfather, using leftovers from his wine cellar (champagne, beer, whiskey, “bagaço” (just a little), white wine, port wine, etc.) and is an alternative to what used to be given to the turkey to get it drunk.
On Christmas Eve
Line a large baking sheet with aluminum foil and place the turkey on top.
Using a food processor, mince together the beef and salpicão, season with pepper and salt. Let it cook for a few minutes with the onion, until it turns golden.
In a frying pan, add butter and melt it. Lately, my grandmother is modernizing her cooking and started using liquid butter. Add the cassava flour to the pan, and keep stirring until golden. Don’t let it burn, put aside.
Once the meat filling and the farofa are ready, we start the process of stuffing the turkey. The minced meat is placed on the tail of the turkey and the farofa fills the breast of the turkey. Then, the surgery begins. With a needle and thread, sew the turkey skin, closing the parts we just stuffed. We pierce the turkey with a fork and baste the turkey with a little Gericaca.
On the 25th
Preheat the oven to 160ºC.
We smear the stuffed turkey with lard and butter. Into the oven it goes, covered with aluminum foil, and we let it roast for about 4 hours at 160ºC. We must check it from time to time, and baste it with Gericaca if drying out.
When ready, we decorate the turkey with paper ornaments and sliced fruit.
The paper ornaments are made with silken paper, folded in two and partially cut, to make a pair of shoes for the turkey. We can add a paper bow around the neck, and place orange and lemon slices, olives or prunes, around the turkey.
As a side, we make baked rice in a clay pot.

Note: the whole process of the day before Christmas Eve can be done on the same day, my grandmother prefers to do it the day before so she doesn't have to get up so early and be able to manage other oven dishes better. You can also choose to follow all the steps the day before and pre-roast the turkey for an hour or two, so that on the 25th it will be a faster process.


Oven Baked Rice

2 cups of long-grain rice to 4 cups of water (adjust as you see fit)
1 salpicão (Portuguese smoked meat sausage)
1 piece of bacon
1 to 2 onions, diced
Saffron

Cook a piece of bacon and salpicão in the 4 cups of water. Remove the sausage and bacon from the water once they are cooked.
In the meantime, heat olive oil in a heavy-bottomed pan, and fry an onion or two (be generous with the onions) with a few cubes of salpicão.
Dissolve the saffron in the water where the sausage and bacon previously cooked.
Once the onion is golden brown, add the rice and stir well to coat with oil. Cook, stirring constantly, for two minutes. Add the water with the saffron to the rice, and check the salt. Let the rice cook, without evaporating all the water. There must be a little excess water. Pour the rice into the clay pot, and decorate with slices of bacon and salpicão. Put in the oven at high temperature, until golden and crispy.
My grandmother also likes to add, and highly recommends, a few handfuls of grated mozzarella cheese.
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