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Esta receita está de tal maneira ligada à minha vivência do Natal que eu nunca me dei ao trabalho de perceber qual poderia ser a sua origem. “As sopas são um prato muito pobrezinho”, disse a minha mãe quando perguntei porque é que não conseguia encontrar a receita em lado nenhum. “Isso foi uma invenção da avó”, continuou ela, “inicialmente, em Trás-os-Montes, as sopas eram feitas apenas com a água que sobrava de cozer o bacalhau. Era uma maneira de aproveitar sobras, um bocado à semelhança da açorda alentejana. A introdução das espinhas ou cabeças de peixe ao caldo foi uma inovação da avó. Mais tarde, eu e as tias começámos também a guarnecer com camarão.”
Que bonito, achei eu, cada geração acrescenta e transforma uma receita cuja génese, eventualmente, se tornou irrelevante.
E, no entanto, apesar dos aperfeiçoamentos e adições, estas sopas são a minha avó. Um símbolo da maneira como se dedicava a tudo e a todos com carinho e de como se servia da cozinha e da comida, não só para encher barrigas mas, sobretudo, para demonstrar afecto. Das simples torradas com mel e chá de cidreira que preparava com todo o carinho para o meu lanche, à carne na panela que, por mais que eu, a minha tia ou a minha mãe tentemos, somos incapazes de replicar a 100%. Desde os tradicionais pastéis de massa tenra à pizza improvisada com ingredientes transmontanos. Tudo sabia bem e tudo era dela, sem igual.
O apreço e curiosidade que a minha família tem pelo mundo da gastronomia vem, inequivocamente, da minha avó e, apesar de ter morrido quando eu tinha apenas 11 anos, estou ciente da sua influência em mim e assumo-a com muito orgulho. Só espero um dia poder juntar-me à lista dos sortudos e sortudas que já ouviram “Ai, tens as mãozinhas da tua avó!”
Coloque as cabeças de peixe e as cascas do camarão numa panela grande e leve ao lume. Quando levantar fervura, baixe o lume e deixe cozer aproximadamente 45 minutos, retirando com uma escumadeira a espuma que possa formar-se à superfície. No final, deve coar-se o caldo. Tempere com sal a gosto.
Enquanto o caldo termina de apurar, bata um ovo numa tigela, e coloque 5 dentes de alho a saltear em azeite, sem queimar.
Por fim, disponha o pão, cortado em fatias finas, numa travessa funda e verta sobre elas o caldo quente até ficarem completamente cobertas. De seguida, deitar o ovo batido sobre o preparado, colocando logo de seguida o azeite a ferver, de modo a cozinhar o ovo. Tempere com colorau e guarneça com o camarão que havia inicialmente reservado. Sirva de imediato!
Confesso que foi um pouco emocional escrever sobre a minha avó mas fico muito contente por poder mostrar um bocadinho dela ao mundo. Traz-me alegria pensar que a minha filha um dia poderá dar continuidade a estas tradições.
Esta receita está de tal maneira ligada à minha vivência do Natal que eu nunca me dei ao trabalho de perceber qual poderia ser a sua origem. “As sopas são um prato muito pobrezinho”, disse a minha mãe quando perguntei porque é que não conseguia encontrar a receita em lado nenhum. “Isso foi uma invenção da avó”, continuou ela, “inicialmente, em Trás-os-Montes, as sopas eram feitas apenas com a água que sobrava de cozer o bacalhau. Era uma maneira de aproveitar sobras, um bocado à semelhança da açorda alentejana. A introdução das espinhas ou cabeças de peixe ao caldo foi uma inovação da avó. Mais tarde, eu e as tias começámos também a guarnecer com camarão.”
Que bonito, achei eu, cada geração acrescenta e transforma uma receita cuja génese, eventualmente, se tornou irrelevante.
E, no entanto, apesar dos aperfeiçoamentos e adições, estas sopas são a minha avó. Um símbolo da maneira como se dedicava a tudo e a todos com carinho e de como se servia da cozinha e da comida, não só para encher barrigas mas, sobretudo, para demonstrar afecto. Das simples torradas com mel e chá de cidreira que preparava com todo o carinho para o meu lanche, à carne na panela que, por mais que eu, a minha tia ou a minha mãe tentemos, somos incapazes de replicar a 100%. Desde os tradicionais pastéis de massa tenra à pizza improvisada com ingredientes transmontanos. Tudo sabia bem e tudo era dela, sem igual.
O apreço e curiosidade que a minha família tem pelo mundo da gastronomia vem, inequivocamente, da minha avó e, apesar de ter morrido quando eu tinha apenas 11 anos, estou ciente da sua influência em mim e assumo-a com muito orgulho. Só espero um dia poder juntar-me à lista dos sortudos e sortudas que já ouviram “Ai, tens as mãozinhas da tua avó!”
Ingredientes
(serve aproximadamente 4 pessoas)Duas ou três cabeças de pescada ou de outro peixe branco (corvina, robalo...)
500g de camarão com casca
4 pães (tipo papo seco) com dois/três dias
1 ovo
Sal
Pimenta
Colorau
Azeite
5 dentes de alho
Como fazer
Coza o camarão com a casca, em água e com uma pitada de sal, até estar cozinhado (2/3 minutos dependendo do tamanho do camarão) - especial atenção para não cozinhar em demasia. Reserve as cascas para continuar a cozinhar juntamente com o caldo de peixe e coloque o restante miolo de camarão numa taça, no frigorífico, para depois colocar sobre as sopas.Coloque as cabeças de peixe e as cascas do camarão numa panela grande e leve ao lume. Quando levantar fervura, baixe o lume e deixe cozer aproximadamente 45 minutos, retirando com uma escumadeira a espuma que possa formar-se à superfície. No final, deve coar-se o caldo. Tempere com sal a gosto.
Enquanto o caldo termina de apurar, bata um ovo numa tigela, e coloque 5 dentes de alho a saltear em azeite, sem queimar.
Por fim, disponha o pão, cortado em fatias finas, numa travessa funda e verta sobre elas o caldo quente até ficarem completamente cobertas. De seguida, deitar o ovo batido sobre o preparado, colocando logo de seguida o azeite a ferver, de modo a cozinhar o ovo. Tempere com colorau e guarneça com o camarão que havia inicialmente reservado. Sirva de imediato!
Confesso que foi um pouco emocional escrever sobre a minha avó mas fico muito contente por poder mostrar um bocadinho dela ao mundo. Traz-me alegria pensar que a minha filha um dia poderá dar continuidade a estas tradições.
English version
This recipe is so ingrained in my Christmas experience that I never bothered to understand its origin. "Soups [made with leftover broth and stale bread] are a very meagre dish," my mother said when I asked why I couldn't find the recipe anywhere. "This was your grandmother's invention," she continued, "initially, in Trás-os-Montes [a Portuguese region], the soups were made only with the leftover water from cooking the cod. It was a way to make use of leftovers, a bit like the Açorda from Alentejo. The addition of fish bones or heads to the broth was a grandmother's innovation. Later, your aunts and I started to garnish it with shrimp as well".
How beautiful, I thought, each generation adding and transforming a recipe whose origin eventually became irrelevant.
And yet, despite the improvements and additions, these soups are my grandmother. A symbol of how she dedicated herself to everything and everyone with affection; and how she used the kitchen and food not only to fill bellies but, above all, to show affection. From the simple toast with honey and lemon tea that she prepared with so much love for my snack, to the "meat in the pan" that, no matter how much my aunt or my mother or even I tried, we cannot replicate 100%. From traditional soft pastries to improvised pizza with ingredients from Trás-os-Montes. Everything tasted good, and everything was hers, without equal.
My family's appreciation and curiosity for the world of gastronomy comes, unmistakably, from my grandmother and, although she died when I was only 11 years old, I am aware of her influence on me, and I bear it with great pride. I just hope that one day I will be able to join the list of the lucky ones who have heard "Oh, you have your grandmother's hands!"
Place the fish heads and shrimp shells in a large saucepan and bring to a boil. Once it reaches a boil, turn down the heat and let it cook for approximately 45 minutes, using a slotted spoon to remove any foam that may rise to the surface. In the end, strain the broth into a clean pan, and keep on a simmer. Season with salt to taste.
Beat an egg in a bowl and set aside. In a saucepan, add olive oil and sauté 5 garlic cloves, paying attention not to burn them.
Finally, arrange the bread, cut into thin slices, on a deep platter and pour the hot broth over them until they are completely covered. Then pour the beaten egg into the broth, followed immediately by the hot oil so it cooks the eggs. Season with paprika and garnish with the shrimp that you initially reserved. Serve hot!
I confess I felt emotional writing about my grandmother, but sharing her story with the world brings me immense joy. I hope one day, my daughter will continue these traditions.
How beautiful, I thought, each generation adding and transforming a recipe whose origin eventually became irrelevant.
And yet, despite the improvements and additions, these soups are my grandmother. A symbol of how she dedicated herself to everything and everyone with affection; and how she used the kitchen and food not only to fill bellies but, above all, to show affection. From the simple toast with honey and lemon tea that she prepared with so much love for my snack, to the "meat in the pan" that, no matter how much my aunt or my mother or even I tried, we cannot replicate 100%. From traditional soft pastries to improvised pizza with ingredients from Trás-os-Montes. Everything tasted good, and everything was hers, without equal.
My family's appreciation and curiosity for the world of gastronomy comes, unmistakably, from my grandmother and, although she died when I was only 11 years old, I am aware of her influence on me, and I bear it with great pride. I just hope that one day I will be able to join the list of the lucky ones who have heard "Oh, you have your grandmother's hands!"
Ingredients
(serves 4)Two or three heads of hake or other white fish (croaker, sea bass)
500g shrimp with shells
4 small wheat breads, two or three days old
1 egg
Salt
Pepper
Paprika
Olive oil
5 cloves of garlic
Method
Bring water to a boil and a dd a pinch of salt. Add the shrimp with the shell, and cook for 2 to 3 minutes, depending on the shrimp's size. Pay attention not to overcooki it. Peel the shrimp and set aside the shells for the broth.Place the fish heads and shrimp shells in a large saucepan and bring to a boil. Once it reaches a boil, turn down the heat and let it cook for approximately 45 minutes, using a slotted spoon to remove any foam that may rise to the surface. In the end, strain the broth into a clean pan, and keep on a simmer. Season with salt to taste.
Beat an egg in a bowl and set aside. In a saucepan, add olive oil and sauté 5 garlic cloves, paying attention not to burn them.
Finally, arrange the bread, cut into thin slices, on a deep platter and pour the hot broth over them until they are completely covered. Then pour the beaten egg into the broth, followed immediately by the hot oil so it cooks the eggs. Season with paprika and garnish with the shrimp that you initially reserved. Serve hot!
I confess I felt emotional writing about my grandmother, but sharing her story with the world brings me immense joy. I hope one day, my daughter will continue these traditions.